Pai, de Renato Dias

Pai
Todo mundo tem pai. Ninguém escolhe o pai que tem, mas todo mundo que nasce ganha um pai. Até aqueles que não vieram devido à gestação interrompida, até mesmo aqueles que morreram pouco após o parto, todos eles também têm um pai.
Os pais, de maneira demelhante, não escolhem os filhos que têm. Por outro lado, cada pai tem a vantagem considerável de poder escolher tê-los ou não tê-los, quando quiser, se é que quererá. “Filhos... filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?” Sim, de fato há pais que se tornam pais por acidente, o que torna relativa essa dita escolha de ser pai. É verdade. Mas vamos pôr de lado essas complicações, o importante a ser dito é que no fim das contas ninguém escolhe muita coisa. Todos sabemos disso. E os filhos, em particular, não escolhem os pais que têm. Especialmente os filhos, principalmente quando crianças, esses sim, não escolhem nada mesmo.
Alguns dizem que as escolhas são feitas por Deus mas, como bem observa Saramago, isso não diz muito. Deus não tem o costume de falar conosco nem de nos deixar a par do que pensa, de modo que dizer que a escolha é dele é exatamente o mesmo que não dizer coisíssima nenhuma.
Mas de volta aos fatos. O fato é que temos um pai e queremos saber quem ele é. Em particular, temos grande interesse em saber em que ele trabalha, esse pai. Veja o caso exemplar da menina do conto de Eduardo Villela. Sabemos que, na verdade, essa menina é ele, Eduardo Villela, que também quer saber o que faz o próprio pai. Sabemos que, na verdade, a menina do conto de Eduardo Villela somos todos nós, todos queremos saber o que faz papai.
Há pessoas que não conheceram os próprios pais. Ou porque estes morreram cedo, ou porque estes os bandonaram antes mesmo de vê-los nascer. Mas é fato que a presença do pai ronda por aí. Até entre os que nem o conheceram. No caso destes, podem apenas imaginar ou ouvir o que se fala sobre ele.
A título de curiosidade, há o caso excepcional de Jesus Cristo. Este pensava ser filho de José, que trabalhava como carpinteiro. Foi um engano que, por sorte, veio a ser mais ou menos esclarecido. Acabou que Jesus era filho de três: Pai, Filho e Espirito Santo. Na verdade, não exatamente três. Eram três que eram de fato apenas um, mas para entrar nos meandros seria preciso um conto mais longo, certamente maior que duas páginas.
Voltemos então a nossa realidade. Se formos acreditar no que dizem muitos por aí, somos nós, todos nós, homens e mulheres e demais gêneros, todos filhos de Deus. Essa figura Deus é o Supremo Pai de todos os seres. Percebam o problema que temos nas mãos. O desejo primário de descobrir em que trabalha essa arquetípica figura. Somos todos filhos de Deus. Logo d’Ele. Aquele que não sabemos bem se nos abandonou ou não, aquele que não sabemos bem se morreu ou não. O que sabemos com certeza é que esse Pai Nosso não é de falar muito. É um típico pai. E nós, pobres crianças.


"Renato Dias é um imigrante recifense no Rio de Janeiro. Formado em engenharia de computação por acidente, optou pela carreira acadêmica em matemática na busca de uma saída rentável para o encontro com coisas belas. Tem como projeto para a terceira idade tornar-se oficialmente escritor, após várias décadas de escrita clandestina."

Conto escrito para o encontro do dia 07/03/2017 para o mote da Profissão de Papai, de Eduardo Villela


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