Claus, por Gabriel Cerqueira
– Viajo a outro planeta quando me
sinto enclausurado – disse João, um cara de 21 anos, a Paulo, seu psicólogo.
– Interessante. E ele se parece com a
Terra?
– Em algumas coisas, sim. Outras,
não. Vou te contar como é - João se ajeitou na poltrona e continuou:
– Os habitantes são parecidos conosco,
talvez até sejam humanos, e há cidades, áreas rurais... Numa das cidades há uma
calçada da fama parecida com a de Hollywood,
só que lá as estrelas são de verdade. Da última vez em que a visitei ela estava
interditada porque duas estrelas se tornaram supernovas e a mais antiga virou
um buraco negro. Tinha gente que tirava fotos de longe, mesmo correndo o risco
de se queimarem ou serem sugadas. Mas valia a pena, era bonito.
– O que mais há lá? – perguntou Paulo
enquanto fazia suas anotações.
– Há um reality show em que os
participantes precisam levar um anel até um vulcão e jogá-lo na lava enquanto
outro time precisa impedi-los. Não parece ser uma produção original.
– Não mesmo. Devem ter comprado os
direitos de exibição de um programa neozelandês.
– Nas festas de fim de ano todo mundo
fica com a cabeça nas nuvens porque as nuvens descem do céu para comprarem
presentes.
– E você conhece alguém desse
planeta?
– Eu tenho um amigo chamado Claus.
Ele tem a mesma idade que eu e é míope; 4,5 graus de ignorância bondosa em cada
olho, o que faz com ele tenha dificuldade para enxergar segundas intenções,
pretensões maldosas, esse tipo de coisa. Ele mora em uma casa torta (o que
deixa o vizinho preocupado…) com jardim de rosas verdes com caules vermelhos.
Ele tem um peixe dourado.
– Qual é o nome do peixe?
– Senhor, Desculpe-me, Mas Eu Esqueci
o Seu Nome.
– Meu nome é Paulo.
– Esse é o nome.
– O peixe também se chama Paulo?
– Não, o nome dele é Senhor,
Desculpe-me, Mas Eu Esqueci o Seu Nome. Assim o Claus nunca esquece o nome do
peixe.
– Ah… Entendi.
– O coitado está passando por uma
crise de identidade. Ele assistiu a um programa de culinária japonesa e está
apavorado, pois pensava que a vida dos peixes terminava na panela, mas viu que
não é bem assim.
– É um perigo. Gosta de comida
japonesa?
– Sim, mas me tornei vegetariano em
solidariedade ao Senhor, Desculpe-me, Mas Eu Esqueci o Seu Nome.
– É Paulo.
– Falei do peixe – João limpou a
garganta, continuando – Claus também gosta de gatos, mas não dos de cara
achatada. Ele costuma deixar salmão em um pratinho na porta de entrada.
– E o que o Senhor, Desculpe-me, Mas
Eu Esqueci o Seu Nome acha disso?
– Meu nome é João.
– O peixe...
– Ah, ele não sabe. Se descobrir ele
infarta.
– Seria um problemão.
– E como! O Claus gosta de bengalas e
guarda-chuvas. Sabia que todo guarda-chuva nasce como um guarda-chuvinha para drinks? E as bengalas nascem como
palitos de pirulito?
– Tinha minhas suspeitas.
– Da frente da casa do Claus dá para
ver o Monte Fuji. É uma tradição matinal pedir a ele que não fuja.
– Essa foi horrível!
– Bastante. Ah, a Paranoia gosta do
Claus desde o jardim de infância.
– Quem é ela?
– Uma garota muito bonita. Só que ele
vive fugindo dela. Disse que sente coisas estranhas quando ela se aproxima,
como angústia, sensação de que algo vai dar errado, enjoo, ansiedade.
– A Paranoia gosta de você também?
Como amigo, é claro.
– Isso é você quem tem que me dizer, Paulo.
(Conto lido no encontro de 21/03/2017)
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