Mote do encontro 24/06
mote lido por Márcio Couto
Partículas Elementares
Os elementos da consciência contemporânea não se
adaptam mais à nossa condição de mortais. Jamais, em qualquer outra época e em
qualquer outra civilização, pensou-se tanto na idade. Cada um tem na cabeça uma
perspectiva simples de futuro: chegará o momento em que a soma dos prazeres
físicos restantes será menor do que a soma das dores (em resumo, sente, no
fundo de si mesmo, os ponteiros girarem - sempre no mesmo sentido). Esse
balanço racional dos prazeres e das dores que cada um, cedo ou tarde, acaba por
fazer, desemboca, inexoravelmente, a partir de certa idade, no suicídio. É
engraçado observar, a respeito disso, que Deleuze e Debord, dois intelectuais
respeitados deste final de século, suicidaram-se sem razão precisa,
simplesmente porque não suportavam a perspectiva da própria decadência física.
Esses suicídios não provocaram nenhuma surpresa,
nenhum comentário; em geral, os suicídios de pessoas idosas, de longe os mais
frequentes, parecem-nos absolutamente lógicos. Pode-se também observar, como
traço sintomático, a reação do público diante da possibilidade de um atentado
terrorista: na quase totalidade dos casos, as pessoas preferem morrer na hora
do que ficar aleijadas ou desfiguradas. Em parte, claro, porque estão saturadas
da vida, mas sobretudo porque nada, inclusive a morte, parece pior do que viver
num corpo mutilado.
HOUELLEBECQ, Michel. Partículas Elementares. Porto Alegre, Editora
Sulina, 1998.
Michel Houellebecq nasceu na francesa Ilha de La
Réunion, em 1956. Aos dois anos de idade foi morar em Argel com sua avó
materna, onde ficou até 1961. Depois, foi viver no subúrbio de Paris com sua
avó paterna. Autor arrojado, de talento inovador, passou pela poesia,
consagrou-se na literatura e agora experimenta o cinema. Na ironia, encontrou o
seu ponto ideal para narrar um mundo absurdo, paradoxal e sem espaço para a
nostalgia.
Comentários
Postar um comentário