Três esquetes para períodos pandêmicos, por Guilherme Preger

 

Três esquetes para períodos de confinamento


Personagens: M:Mulher. H:Homem. Local: cidade da América do Sul. Tempo: Futuro distante. Situação: Pandemia misteriosa e letal obrigou os seres humanos de todo o planeta ao confinamento em seus apartamentos e casas por anos.


Esquete 1: Contatinhos


M: Amor, o que você tanto vê no seu celular?

H: Amor, estou escrevendo meus posts filosóficos e políticos. O que mais tenho para fazer?

M: Ah, deixa eu olhar...

H: Não! Assim, você me desconcentra e eu não consigo escrever. Não tem nada mais útil para fazer?

M: Ah, eu já sei. Você está é novamente falando com seus contatinhos, né? Deixa eu ver. Onde estão aquelas biscoiteiras?

H: Como assim, biscoiteiras, Amor? Eu não conheço biscoiteiras. Tenho apenas amigos e amigas.

M: Mentira! Você fica aí conversando com seus contatinhos que eu sei. E você virou o maior de todos os biscoiteiros! Por que você postou aquela foto sem camisa na rede social, hem, hem? Você pensa que eu não estou sacando o que você pretende? Você pensa que eu não te conheço, não? Você está vindo e eu já estou voltando...

H: Mas, Amor, deixa de bobagem, eu não saio de casa há cinco anos...

M: Mas e daí? O que adianta você não sair e ficar aí com seus contatinhos? Batendo papo, jogando conversa fora, todo se mostrando...

H: Mas Amor, por que eu me “mostraria” se não posso sequer sair de casa?

M: Não se faça de mal-entendido. Você sabe muito bem sobre o que estou falando!


Esquete 2: Pelada


(M saindo do banho, pelada com a toalha enrolada na cabeça).


M: Ai, estou atrasadíssima para a aula!

H: Amor, onde você vai assim pelada?

M: Amor, não atrapalha. Preciso dar aula agora para meus aluninhos.

H: E você vai dar aula assim pelada? Que pouca vergonha!

M: Ah é, vou sim, e daí?

H: Eu te proíbo de dar aula pelada para seus aluninhos. Você só pode ficar pelada para mim!

M: Você está doido? Você acha mesmo que manda em mim? Seu machistoide, esquerdo-macho. Eu sou uma mulher livre, que sei muito bem o que fazer de meu corpo!

H: Não importa. Está proibida!

M: Até parece que eu vou te ouvir...


(M se veste e liga o computador)


M: Meus queridos aluninhos, só queria dizer que a professora de vocês tinha decidido dar a aula pelada especialmente hoje, mas decidiu se vestir por sua própria decisão, pois ela é uma mulher que sabe muito bem o que quer. Vocês entenderam bem o que eu disse? Ei, o que vocês estão fazendo? Não vão sair assim não, ou eu vou contar para seus pais!


Esquete 3: Tamanduá


(Madrugada. Pela janela entra um murmúrio: aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii).


M: Deve ser aquela vizinha trepando de novo. Ela é exibida.

H: Amor, você podia também gritar bem alto quando a gente faz.

M: Como assim Amor, para o prédio todo saber que a gente está fazendo?

H: Ué, qual o problema? Talvez a gente incentive o pessoal do prédio a fazer também.

M: Amor, cada um sabe da sua vida. Não quero que o prédio todo comece a fazer por nossa culpa.

H: Não tem culpa alguma nisso, apenas prazer. As pessoas só precisam de um incentivo para começar.

M: Ora, você sabe que sou discreta e que não é meu estilo... Sabe o que eu estou achando? Que você quer é se mostrar como garanhão, como o fodão do bairro. Você deve estar querendo mesmo é um incentivo das vizinhas!

H: Que isso, não tem vizinha alguma. Nem sei quem é essa aí que grita. Há cinco anos que não falo com ninguém além de você, dos porteiros e dos entregadores.

M: Mentira. Outro dia você disse que uma vizinha te olhava pegando sol pelado na janela. Mas olha, eu até gritaria mais alto se você ao menos não babasse tanto na hora de fazer. Você deve achar que eu sou um pêssego!

H: Como assim, Amor? Você nunca reclamou. Sempre disse que eu sou bom.

M: Não é bem assim. Além do mais você nunca acha direito o troço. Mete a língua no lugar errado. Parece um tamanduá procurando formiga.

H: Um tamanduá? Ah, tá bom. Boa noite (Vira-se na cama e puxa o lençol).

M: Ah, meu amorzinho, não fica assim não, desculpa, eu não quis dizer isso. Me abraça aqui como um tamanduazinho...

H: (gritando bem alto para todo mundo ouvir) BOOOOOOOA NOOOOOOITE!


Esquete Extra: Ficções


H: Oi tudo bem?

M: Como assim tudo bem? Toda a vez que você vem com esse “tudo bem” é porque está querendo alguma coisa!

H: Não quero nada, só quero saber como você está.

M: Sei. Você deve estar me confundindo com algum contatinho seu. Ou está querendo algum favor. Fala logo.

H: Olha que eu estou anotando tudo isso para depois escrever uma história. Eu irei contar tudo que acontece entre nós dois em minhas ficções.

M: Você acha que me assusta com isso? Você acha que eu tenho medo de aparecer em seus contos? Você realmente acha que alguém nesse mundo acredita em suas histórias? Que é tudo verdade? Vai sonhando!


(Conto apresentado no encontro de 13/04/2021)

Guilherme Preger é um escritor fodão. 


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