Coisas na cabeça de um guri, por Camilla Agostini
Tomar um brinquedo nas mãos, pousá-lo logo à frente e vê-lo mover. Se a casa de bonecas da prima abre portas e janelas, deixando as mãos apertadas entrarem, seus pequenos balanços em formato de carrossel giram e a lembrança voa para o dia no parque de diversões. Luzes coloridas e brinquedos emocionantes, assustadores com uma dose de aventura. Montanha russa, trem fantasma, bate-bate. Esperava a chuva passar para que logo pudesse ir aos balanços da pracinha, enquanto giravam ali no chão da sala as cadeirinhas coloridas nas mãos do guri. A praça era o que restava depois da temporada do parque na localidade.
Esse mesmo piá esteve um dia instigado em como tanta coisa podia parar dentro de uma garrafa de vidro. Olhava bem e desafiava o pensamento, imaginando a engenharia necessária para passar um boneco articulado de madeira pelo gargalo. Averiguava com as pontas dos dedos que não havia marcas na garrafa, a única entrada possível era a diminuta boca e insistia em uma resposta até cansar as ideias e a mente. Nunca chegou a um resultado de como aquele enorme boneco feito de pedaços de madeira e linha punha-se de pé ali dentro.
Brilhava os olhos vendo o moço que o povoado achava meio doido, de passagem na cidade, com a sua guitarra vazada de estrelas e seu corpo de metal rústico. As músicas que cantava, ao toque de cordas metálicas, falavam de cometas, do universo, de profecias e de seres encantados para o pessoal em frente à igreja naquelas noites quentes de verão. O moleque voava desperto com a cantoria, hipnotizado pelo som desafinado do instrumento tocado pelo moço cabeludo de barba e chapéu engraçado. Forasteiro que vivia atrás da lua e dos sonhos.
Seu tio certo dia montou um incrível boneco com restos recolhidos no ferro velho. Foi a glória ver cacarecos virarem super-herói e um foguete para onde levava suas ideias a criar histórias e a perguntar às estrelas da música que não lhe saia da cabeça, quantas coisas lhe caberiam na imaginação.
(conto vencedor do encontro de 14/05/2019)
"Camilla Agostini, carioca, arqueóloga e historiadora. Todos os objetos mencionados no conto podem ser visitados no Museu do Folclore, na cidade do Rio de Janeiro".
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