A Natureza das coisas, por Marilia Passos

Sentada no batente da janela, ela olha a baía de Guanabara. Queria viver com a mesma desenvoltura daqueles homens que não têm medo de cair. Talvez eles se segurem nas opiniões tão firmes que possuem sobre tudo, ou talvez sejam destemidos mesmo, ou talvez nunca tenham vivido um fracasso. Ou talvez só sejam homens. Como Chico, o amigo de infância que ganhava em tudo. “Meninos são mais fortes”, ele dizia. E ela então quis ser homem, até a tarde em que Saulo, o faxineiro da escola de dança, pediu para ver a xoxota dela. Luísa achou aquilo engraçado: ninguém nunca lhe pedira para ver a xoxota. Ele repetia a pergunta como um apelo, o mesmo tom que ela usava quando implorava um brinquedo: “Compra, mãe, compra! Por favor!”. 
— Não, Saulo, não vou mostrar xoxota nenhuma.
Balançava a cabeça do mesmo jeito que a mãe. 
Esfregando o chão, ele insistiu uma, duas, dez vezes. Ela não saía do lado dele, observando aquele homem gordo se rastejar sobre seus pés pelo reflexo do espelho. Ficou um bom tempo conduzindo aquela dança, impregnando-se daquela imagem, até se cansar e partir. 

Editora labrador, 2017. 

(Mote lido por Marilia Passos para o encontro de 28/05/2019). 



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