Os exorcismos, por João do rio (Mote)


Há sempre de um lado os espíritos bons, os anjos que se demonstram pela teurgia¹, e os espíritos maus, as larvas e os demônios, isto é, de um lado as teofanias², de outro as fúrias. Ultimamente, porém, casos incríveis, lendas antiquíssimas deram para reaparecer. Os agentes do Diabo, as sereias, os faunos, os gigantes, os tritões surgem de novo. O João Catraieiro, ali do Cais dos Mineiros, já viu passeando na água uma dama de vermelho com homens de barbas verdes que riam e assobiavam... Por que havemos de banir fatos? Eu, e dou-lhe como testemunha o dr. Rafael Pinheiro e outras pessoas conhecidas, já tive uma doente que frei Piazza pôs boa. A mulher delirava, tinha ataques formidáveis, eu tratava-a segundo Charcot. Uma vez ela disse: eu tenho o Diabo no corpo. Pois vá ao Castelo! Foi e ficou boa.
Era um médico que me dizia o assombro. Nesse mesmo dia subi ao Castelo.
Pelas pedras do morro iam homens carregando baldes d'água; mulherios estendiam roupas na relva; embaixo, a cidade num vapor branco parecia uma miragem sob o chuveiro de luz. Em torno do convento saltavam cabras. Pendurei-me de cordão à porta carcomida, como um viajante medieval. Muito tempo depois apareceu um frade italiano de barba negra.

1. Arte de fazer milagres.
2. Aparição de uma divindade.

(mote para o encontro de 4/09/2018, lido por André Salviano)

Trecho do texto “Os exorcismos” (p. 195-6), de João do Rio, publicado no livro As Religiões do Rio (José Olympio, 2015). Jornalista e cronista, João Paulo Coelho Barreto nasceu em agosto de 1881. Começou no jornalismo aos 16 anos. Aos 18, chegou à redação do jornal Cidade do Rio. Na década de 1920, fundou A Pátria e o vespertino Rio Jornal. Nas redações pelas quais passou, além de João do Rio, usou os pseudônimos Claude, Caran d’Ache, Joe e Godofredo de Alencar. Percorria a cidade em busca de material para suas histórias, fossem reportagens, contos ou crônicas – o que à época ainda se confundia. Em 1908 escreveu A alma encantadora das ruas, uma de suas obras mais celebradas. Em 1910, entrou para a Academia Brasileira de Letras. Faleceu aos 39 anos, em junho de 1921.





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