Ecos da noite, por Vagalume (Mote)

"Aí chegamos às 3 horas e 45 minutos e vimos junto à baiana do mingau, que fica ao lado do escritório do Jardim Botânico, um grupo que discutia calorosamente sobre o policiamento da cidade, que felizmente melhora dia a dia a olhos vistos.

neste grupo tornavam-se salientes uma rapariga nova, vestida de preto, que tem o hábito bom ou mal de passear de madrugada, terminando o seu passeio no Boqueirão, não para tomar banhos de mar; um português ajanotado, vulgarmente conhecido por Maduro, que é habitué de mingau, onde discute com quem naquele ponto faz paragem, e uma adorável rapariga, que dá sorte em toda parte, na rua da Assembleia, onde reside, nos Democráticos, quando há bailes e em todos os pontos de boêmia.

O Chagas, guarda-livros barato, durante a madrugada de hoje esteve mesmo a pedir uma camisola de força, pintou o sete e o diabo a quatro e por um triz a guarda civil fê-lo puxar a rica marcha para o xadrex mais próximo. Achamos que o Chagas há muito devia estar recolhido no hospício de Alienados.

E aí fica a recomendação."

quarta feira, 16 de março de 1904


(Mote vencedor lido por Camila Agostini para o encontro de 21/08/2018)


Ecos da Noite era a coluna assinada por Francisco José Gomes Guimarães [1877-1947], sob o pseudônimo de Vagalume no jornal A Tribuna, nos primeiros anos do século XX. Jornalista negro, escrevia crônicas sobre o submundo da noite carioca. "A série Ecos Noturnos passava a trazer para as páginas do jornal personagens comumente ausentes do noticiário das grandes folhas. (...) suas crônicas conferiam, de maneira constante, protagonismo, pontos de vista, opiniões e demandas de sujeitos anônimos da noite carioca, como pescadores, carteiros, boêmios, feirantes e operários. Mais do que falar sore eles, Vagalume tratava de dar voz a tais personagens em crônicas cuja forma supostamente reproduzia diálogos travados com eles em suas incursões noturnas". pp.10-11.

Guimarães, Francisco (Vagalume). Ecos Noturnos / Vagalume; Organização, apresentação e notas de Leonardo Affonso Miranda Pereira e Mariana Costa. Rio de Janeiro: Contra Capa; Faperj, 2018.



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