A Paixão segundo H.H., por Guilherme Preger


A PAIXÃO SEGUNDO H.H.

Papi foi aquele que me ensinou a comer. A comer os homens, a devorá-los. Da ponta do dedo mindinho à corcova da glande. Com a minha boca grande e dentada. Com a minha boca de pelos.
Hoje eu sei escrever.
E que se fodam aqueles que pedem reverências ao dicionário. A minha escrita úmida é gloriosa.
Com minha boca dentada eu devoro homens. Com meu pau-estilete eu sangro as páginas com as lacerações de minha escrita. Eu digo que as páginas são minhas meninas virgens. Eu digo que gosto de borrá-las como um homem maduro borra o ventre de uma menina virgem com a graxa de sua porra.
A tinta na página é uma porra. Negra. Nessa porra eu me lambuzo e não tomo banho.
Todo dia quando acordo só saio do quarto se já tiver escrito ao menos duas laudas. E eu faço. E saio lacerada porque a escrita para mim só a ferro quente.
Então eu saio do quarto para a luz da Casa do Sol. A luz entra oblíqua por seus janelões coloniais. Então eu me visto de coquete antiga. Daquelas que recebem homens. Que são sustentadas por homens. Não apenas por um, mas por vários. Porque ser sustentada apenas por um homem é coisa de dona de casa. Eu sou dona do meu cu. Meu cu é de Papi.
Homens dependem de mulheres, mas mulheres não dependem de homens.
Eu gosto de fumar. Em geral, fumo sozinha em longas baforadas e converso com Papi.
Papi está sempre presente. Outro dia recebi a visita de um homem. Homem é comida. Então eu o comi. Papi viu tudo e aprovou. Quando abri as pernas e o homem se assustou com o volume de meu grelo, Papi deu uma gargalhada. Engoli o homem todinho e ninguém mais o encontrou. E depois bebi um vinho com Papi.
Fico puta porque ninguém me lê. Puta não, porque puta eu já sou. Fico enraivecida como uma mênade. Por isso resolvi escrever pornografia. Sou pornógrafa de nascença.
A história é esta: uma menina conta que lambe seu tio e os amigos de seu papi. Diz que lambe gostoso e gosta de ser lambida. Pela frente, mas sobretudo pelo buraquinho de trás. Como é gostoso ser lambida pelo buraquinho de trás. E ganha seu dinheirinho. Seu pai é um escritor que não sabe escrever pornografia. Então a filhinha ensina ao papi dela a sacanagem toda. Esta é a história da minha vida. Mas meu Papi não era bobo feito o da menininha. 
                Só existe uma razão para escrever: estar apaixonado. Mas não tal como os românticos, líricos ou chorosos. Tal os troianos que raptavam donzelas. Eu sou uma égua de Tróia.
                Um dia serei escritora famosa. Dessas que vende livro, dá entrevistas e homenageiam em festas literárias. Mas a terra já terá me comido.
                A terra me comerá assim Como todos os homens. Todos. Todinhos.

(Conto lido no encontro de 07/08/2018)

Guilherme Preger é um escritor que já foi devorado por leitoras




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos comprar um poeta, por Afonso Cruz

Homens não choram

Cultura: uma visão antropológica, de Sidney W. Mintz