Mote do encontro 02/09
texto lido por Marco Antônio Martire
O velho e o mar
Quando o sol desapareceu no
horizonte, o velho Santiago recordou, para tomar mais coragem, aquela vez em
Casablanca, na taberna, quando disputara uma queda de braço com um negro enorme
de Cienfuegos, que era o homem mais forte das docas. Haviam ficado um dia e uma
noite com os cotovelos assentes sobre um traço de giz feito na mesa, os
antebraços eretos e as mãos apertadas. Cada um deles tentava forçar a mão do outro
a descer sobre a mesa. Na sala, alumiada por lampiões de querosene, havia
muitas apostas entre os assistentes, que entravam e saíam, e durante todo
aquele tempo ele estivera com o olhar fixo no braço e na mão do negro e também
no seu rosto. Depois das primeiras oito horas tiveram de mudar de árbitros de
quatro em quatro horas para que estes pudessem dormir. As unhas dos dedos dele,
como também as do negro, tinham-se tornado roxas. Olhavam um para o outro, os
olhos nos olhos, e para as mãos e antebraços, enquanto os apostadores entravam
e saíam ou sentavam-se nos bancos encostados às paredes para observar a
disputa. As paredes eram de madeira, pintadas de azul-claro, e os lampiões
nelas projetavam as sombras dos dois homens de encontro ao tom azul-claro. A
sombra do negro era enorme e movia-se na parede à medida que a brisa fazia
balouçar os lampiões.
As apostas pendiam ora para um, ora
para outro e variavam durante toda a noite. Os assistentes alimentavam o negro
com rum e davam-lhe cigarros acesos. Então o negro, depois do rum, fazia um
esforço tremendo e de uma feita quase derrotara o velho, que naquela ocasião
não era velho, mas sim Santiago, El Campeón, forçando-lhe a mão a ceder
alguns centímetros. Mas Santiago resistira e levara de novo a mão à posição
vertical. Estava certo de que podia bater o negro, embora este fosse um grande
atleta e muito forte. E quando surgiu a luz do dia e os apostadores gritavam
para que fosse dado empate e o árbitro já estava abanando a cabeça, o velho
reunira todas as energias que lhe restavam e forçara a mão do negro para baixo,
mais para baixo, até encostá-la à madeira da mesa. O desafio começara num
domingo de manhã e terminara numa segunda-feira de madrugada. Muitos dos
apostadores tinham pedido um empate porque precisavam ir para o trabalho nas
docas, onde carregavam sacos de açúcar ou fardos mais pesados da Companhia
de Carvão Havana. De outra forma estariam todos de acordo em que
a disputa continuasse. De qualquer modo, Santiago pusera a termo à coisa antes
que os trabalhadores tivessem de ir às suas fainas.
Durante muito tempo, depois disso,
toda a gente o tratara por O
Campeão e na primavera houvera um novo desafio de desforra. Mas
dessa vez houve poucas apostas e o velho venceu sem dificuldades, pois abalara
a confiança do negro de Cienfuegos no primeiro encontro. Mais tarde tivera
outros desafios com outros homens e, depois, abandonara tais disputas.
Compreendera que podia vencer qualquer um deles se realmente desejasse e
chegara à conclusão de que lhe podiam estragar a mão direita para a pesca.
Tentara, com a mão esquerda, alguns desafios de experiência. Mas a mão esquerda
fora sempre uma traidora e nunca fazia o que ele desejava, razão por que jamais
confiava nela.
HEMINGWAY, Ernest. O velho e o mar. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2013.
Ernest Miller Hemingway nasceu em 1899. Em 1926, publica O Sol Também Se Levanta, livro que obteria um sucesso surpreendente. Em 1929, publica Adeus às Armas, que descreve a experiência militar de seu autor na Itália. Vai para a Espanha, onde produz Morte à Tarde (1932), sobre as touradas; faz caçadas na África Central, que relata em As Verdes Colinas da África (1935); participa da Guerra Civil Espanhola e escreve Por Quem os Sinos Dobram (1940); de suas experiências como pescador em Cuba, surge O Velho e o Mar (1952), livro que lhe rendeu o Prêmio Pulitzer. Ganhador do Nobel de Literatura (1954), Hemingway suicidou-se em sua casa, em 1961.
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