Mote do encontro 29/07
Texto lido por Fernando Sousa Andrade
O louco de palestra
Em dezembro passado, o escritor gaúcho
André Czarnobai, o Cardoso, publicou um diário na revista Piauí intitulado “Pasfundo calipígia”. Salvo engano, foi a primeira
vez em que se utilizou em letra impressa o termo “louco de palestra”.
Imediatamente, a expressão ganhou densidade acadêmica e popularizou-se nos
redutos universitários nacionais, encorajando loucos latentes e chamando
atenção da saúde pública para o problema.
O louco de palestra é o sujeito que,
durante uma conferência, levanta a mão para perguntar algo absolutamente
aleatório. Ou para fazer uma observação longa e sem sentido sobre qualquer
coisa que lhe venha à mente. É a alegria dos assistentes enfastiados e o
pesadelos dos oradores, que passam o evento inteiro aguardando sua inevitável
manifestação, com se dispostos a enfrentar a própria Morte.
Há inúmeras categorias de loucos de
palestra, que olhos e ouvidos atentos podem identificar em qualquer
manifestação de cunho argumentativo-reflexivo, com a palavra franqueada ao
público.
Há o louco clássico: aquele que levanta,
faz uma longa explanação sobre qualquer tema, que raramente tangencia o assunto
em debate, e termina sem perguntar nada de especifico. Seu único objetivo é
impressionar intelectualmente a plebe, inclusive o palestrante oficial. Ele
sempre pede licença para “fazer uma colocação”.
Há o louco militante, que
invariavelmente aproveita para culpar a exploração da classe dominante, mesmo
que o tópico do debate seja arraiolo&bordado.
Há louco desorientado que não entendeu
nada da palestra – e não vem entendendo desde o 2 serie, quando a professora lhe
comunicou que o sol é a maior que terra – e, depois de circunlóquios labirínticos,
faz uma pergunta óbvia.
Há o que faz questão de encaixar no
discurso a palavra “sub-repticamente”: é o louco vernaculista.
Uma criteriosa tipificação do objeto de
estudo não pode deixar de registrar o louco do complô, que, segundo integrantes
do próprio complô, é “aquele que acredita que toda imprensa se reúne de
madrugada com o governo ou a oposição para pegar uma mala de dinheiro”.
O louco adulador, que gasta os trinta
segundos que lhe foram franqueados para dizer em dez minutos como o palestrante
é divino. O louco deleuziano, que não sabe o que fala, mas emprega a palavra
“rizoma”. E o louco pobre coitado, que pede desculpas por não saber se
expressar o que não o impede de não se expressar durante minutos
intermináveis.
BARBARA, Vanessa. O louco de palestra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
Nasceu em São Paulo, em 1982. É
jornalista, tradutora e cronista. Publicou O livro amarelo do terminal
(Cosac Naify, 2008, Prêmio Jabuti de Reportagem), O verão do Chibo
(Alfaguara, 2008, com Emilio Fraia), o infantil Endrigo, o escavador de
umbigo (ed. 34, 2010, com Andrés Sandoval) e, pela Companhia das Letras, a
graphic novel A máquina de Goldberg (com Fido Nesti).
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