Mote do encontro 08/07



lido por Danielle Schlossarek

 O diário de Anne Frank 

 

Enquanto ela e eu estávamos sentadas no quarto, Margot falou que a notificação não era para papai, e, sim, para ela. Com esse segundo choque, comecei a chorar. Margot tem 16 anos – parece que eles querem mandar as garotas da idade dela para longe, sozinhas. Mas graças a Deus ela não vai; mamãe mesma tinha dito, e devia ser isso que papai quis dizer quando falou em irmos nos esconder. Esconder...onde nos esconderíamos? Na cidade? No campo? Numa casa? Numa cabana? Quando, onde, como...? Eram perguntas que eu não podia fazer, mas que ficaram girando em meu pensamento.

Margot e eu começamos a pôr nossos pertences mais importantes numa pasta da escola. A primeira coisa que agarrei foi este diário e, depois, rolinhos de cabelos, lenços, livros da escola, um pente e algumas cartas antigas. Preocupada com a ideia de ir para um esconderijo, juntei as coisas mais malucas na pasta, mas não me arrependo. Para mim, as lembranças são mais importantes que os vestidos.

(...)

Eu estava exausta e, mesmo sabendo que seria a última noite em minha cama, dormi imediatamente e só acordei quando mamãe me chamou às cinco e meia da manhã seguinte. Felizmente não estava tão quente quanto no domingo; uma chuva morna caiu durante o dia inteiro. Nós quatro vestimos tantas camadas de roupas que até parecia que passaríamos a noite numa geladeira, mas a ideia era levar mais roupas. Nenhum judeu em nossa situação ousaria sair de casa com uma mala cheia. Eu estava usando duas camisetas, três calcinhas, um vestido e, por cima disso tudo,  uma saia, um paletó, uma capa de chuva, dois pares de meias, sapatos pesados, um chapéu, um cachecol e muito mais. Estava sufocando mesmo antes de sairmos de casa, mas ninguém se incomodou em perguntar se eu estava bem.

Margot encheu sua pasta da escola com livros, foi pegar sua bicicleta e, com Miep guiando o caminho, seguiu para o grande desconhecido. Seja como for, era assim que eu pensava, já que ainda não sabia onde era o nosso esconderijo.

Às sete e meia nós também fechamos a porta; Moortje, minha gata, foi a única criatura viva de quem me despedi. Segundo um bilhete que deixamos para o Sr. Goldschmidt, ela deveria ser levada para os vizinhos, que lhe dariam um bom lar.

As camas desarrumadas, as coisas do café da manhã sobre a mesa, a carne para a gata na cozinha, - todas essas coisas davam a impressão de que havíamos saído apressadamente. Mas não estávamos interessados em causar impressão. Só queríamos sair de lá, fugir e chegar em segurança ao nosso destino. Nada mais importava.

Amanhã tem mais.


FRANK, Otto e Pressler, Mirjam (org.) O diário de Anne Frank. Rio de Janeiro, Editora Record, 2003.







Anne Frank (1929-1945) foi uma jovem judia vítima do nazismo. Morreu no campo de concentração dos alemães. Deixou escrito um diário, intitulado "O Diário de Anne Frank", que foi escrito durante dois anos que se manteve escondida em Amsterdã e acabou tornando-se um símbolo do sofrimento dos judeus no holocausto.

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