Na presença da ausência, por Mahmoud Darwich
No exílio escolhes um espaço para domesticar o hábito, um espaço privado
para o teu diário. E escreves: O lugar não é uma armadilha. Podemos dizer: Aqui
temos uma rua lateral, uma estação dos correios, uma padaria, uma lavandaria,
uma tabacaria, uma esquina, e um cheiro que me faz lembrar...
As cidades são cheiros: Acre cheira a iodo e especiarias. Haifa, a pinho
e lençóis engelhados. Moscovo, a vodca e gelo. Cairo, a maga e gengibre. Beirute,
a sol, mar, fumo e limões. Damasco, a jasmim e frutos secos. Tunes, a almíscar
e sal. Rabat, a hena, incenso e mel. Uma cidade sem cheiro não tem lugar na
memória. Os exílios partilham um cheiro: o cheiro da melancolia do que se foi;
um cheiro que lembra outro. Um cheiro ávido e nostálgico que te guia, como um
mapa turístico já gasto, ao cheiro do lugar primeiro. O cheiro é uma memória e
um pôr-so-sol. Aqui, o pôr-do-sol é a reprimenda da beleza ao forasteiro.
Mas, contrariamente do que dizem, amar o pôr-do-sol não é um dos
atributos do exílio.
A memória, o teu museu pessoal, abre o catálogo do que se perdeu. Um
campo de sésamo, uma plantação de alfaces, de hortelã, um sol redondo que se
afunda no mar. O que se perdeu cresce em ti e no pôr-do-sol, que concede ao que
está distante os atributos do paraíso e lhe limpa toda a mácula. Tudo quanto se
perdeu é venerado. Todavia isso não é verdade!
Detém então o lugar com as rédeas da expressão! Transporta-o como
transportas o teu nome, não a tua sombra, na tua imaginação, não numa mala!
Neste pôr-do-sol, só as palavras estão habilitadas a consertar o que se
estragou no tempo e no lugar e a nomear deuses que não te prestaram a menor
atenção, ocupados que estavam nas suas guerras com armas primitivas. As palavras
são a matéria-prima para a construção de uma casa. As palavras são uma pátria!
(...)
A poesia do exílio não é o que exílio te diz, mas o que tu dizes ao
exílio - o que um rival diz a outro. E o exílio acolhe a diferença e a harmonia
com hospitalidade igual. Portanto faz-te a partir de ti mesmo. E não te
esqueças de dar graças ao exílio, sem pejo: Louvar-te-ei, ó exílio, onde te
couber o encómio. Ali, sob a figueira que me abrigará, em casa da minha mãe, de
passagem num Outono que passa!
MAHMOUD DARWICH
"NA PRESENÇA DA AUSÊNCIA" (edição portuguesa Flâneur)
TRADUÇÃO: MANUEL ALBERTO VIEIRA
(mote para o encontro de 26/02/2019)
Comentários
Postar um comentário