Meu Marido, de Eduardo Villela
Olha, primeiro de tudo, quero deixar claro que não se
trata de tentativa de interferir no tratamento. Ou terapia, análise, seja lá
como vocês chamam isso. Mas se eu reparei que o Carlos mudou muito nos últimos
meses, você também deve ter notado. É claro que reparou. Ou durante o tempo que
passa aí deitado na sua sala ele finge ser outra pessoa, ou enquanto está
falando não dá para notar, ou só percebe quem convive com ele diariamente? Me
desculpa, mas se for isso mesmo, sinceramente não sei o que meu marido faz aí.
Acho que um médico como você deve ter a sensibilidade de notar alterações no
comportamento de um paciente, mesmo que essa pessoa seja muito diferente no
consultório do que é na vida. Na verdade, sendo sincera mesmo, nunca acreditei
muito nesse tipo de tratamento. Na minha família nunca teve isso.
Mas voltando ao assunto, o Carlos realmente anda muito
estranho. Cheguei a pensar que fosse influência da terapia, mas não tenho outra
alternativa senão mandar esse e-mail bem grande para tentar tirar essa história
a limpo. O Carlos está me traindo? Onde ele aprendeu essas coisas? Desculpe,
mas preciso mesmo saber isso, apesar de desconfiar que talvez você não responda.
Eu também consigo intuir as coisas só pelo jeito das pessoas responderem,
entende? Não queria ligar para você, acho que seria até invasivo, e juro mais
uma vez que não quero interferir no tratamento, só preciso entender por que ele
anda tão diferente. Na nossa intimidade, eu digo, principalmente, aquelas
manias...
É meio delicado o que vou dizer agora, e não sei se ele
fala disso aí na sua sala. Mas a mudança de comportamento maior é na nossa cama,
mesmo. Primeiro estranhei, achei até excitante aquilo, mas depois foi ficando
muito exagerado. A gente quase não transava mais, e de repente veio o fogo, a
vontade de fazer um monte de posições diferentes. Antes, quando e se
transássemos, era só o papai e mamãe, raríssimo ir além disso, e agora do nada
ele passa a querer fazer de tudo. No início me veio uma pequena desconfiança,
mas era tão bom que deixava o pensamento pra lá. Passei a aproveitar o momento.
Uma amiga até diz que os homens são assim mesmo, mudam de vez em quando. Acho
que nós, mulheres, mudamos com mais rapidez, enquanto os homens passam por um
ciclo bem maior até ficarem diferentes. Por isso causam surpresa. O Carlos conta
a você que passou a querer usar minhas roupas de baixo, e até comprou uma
cinta-liga pra gente transar? Não para mim, pra ele. Nossa, acho que se ele não
te disse isso vai ficar muito emputecido comigo. Por favor, usa a sua ética de
psicólogo aí e só aborda esse assunto estranho se ele falar, combinado?
O Carlos sempre foi uma
pessoa tímida, digo, só reagia a mulher se era cantado, como aconteceu comigo.
Eu acho que estou fazendo um grande favor a vocês dois, na verdade sendo
prática, em escrever esse e-mail. Acho que deve ter coisa aqui que ele não relatou
na análise, mas vai ajudar. Aliás, esse tratamento não termina nunca, né? Eu
estou ajudando você, e quero também por favor que você nos ajude, dê um help no
nosso casamento. Você quer fazer um trabalho muito bem feito? Então me conta se
alguma outra mulher cantou ele, conta se ele ficou com alguém, me diz se ele
está tendo outro relacionamento, se o meu marido Carlos me ama. Prometo que
isso vai nos ajudar muito, e nunca mais vou escrever de novo. Mas você tem que
me dizer, senão vou ficar mandando essas mensagens, porque não sossego até
conseguir as coisas que realmente preciso, principalmente algo que vai salvar
meu casamento. Digo salvar o casamento porque, é claro, não vou contar a ele o
que você relatar aqui, mas vou agir diferente, de um jeito adequado para a situação.
Eu não vou terminar com ele, de jeito nenhum! Sou dessas que sabem que um
relacionamento tem cura. Não suporto traição, mas tenho certeza que ele faz por
causa de um problema que está passando. Se você me falar agora que ele está
vendo outra mulher, juro que não digo nada. Como ela é, e onde se conheceram? O
Carlos está gostando dessa mulher? Você tem uma chance aqui de dar um rumo bom
ao nosso casamento, aí vou saber que é um psicólogo bom e prático mesmo para
ajudar o meu marido. Eu acho que se você disser que não, não vou acreditar.
Também não tenho certeza se você vai responder a esse e-mail, mas sei que vai
ler, e isso com certeza pode influenciar o tratamento. De um jeito positivo, eu
espero. Eu amo muito meu marido, e tenho direito de saber o que acontece com
ele. Se você responder, prometo que não vou mais incomodar.
Agradecida.
Re:
Meu Marido
Prezada
Elisângela,
Seu
marido nada me relatou sobre os eventos mencionados. Proponho que vocês dois
venham juntos ao meu consultório.
Atenciosamente,
Dr.
Sabóia
Conto vencedor do encontro de 22/09/2017
Eduardo Villela nasceu no Rio de Janeiro, em 1979. Em 2015, foi finalista do concurso Brasil em Prosa, do jornal O Globo com a Amazon, com o conto "Genética". Tem contos publicados nas antologias de Verso e Prosa de 2015 e 2016 realizadas pela Oficina Literária Ivan Proença (OLIP) e participou, em 2016, da antologia O Eldorado é Aqui, de histórias sobre o estado do Amazonas. Seu primeiro livro de contos, "O Interesse pelas Coisas", saiu em fevereiro pela Editora Moinhos e está disponível no site da editora.
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