Reforma Trabalhista, de Guilherme Preger
(Senado Federal, 11
de julho de 2017)
Estamos aqui nesse dia histórico para votar a Reforma Trabalhista
que fará com que nosso país entre afinal na modernização de sua
economia. Essa reforma é essencial para garantir o emprego de
milhares de brasileiros que, na situação atual, não têm condições
de competir na economia digital com os robôs. Como se sabe, ano após
ano, milhares de trabalhadores perdem seus empregos para algum robô.
Para os empresários, adquirir um robô sai mais em conta do que
contratar um trabalhador. Os robôs não precisam de salários, não
têm hora de almoço, não precisam de plano de saúde nem
previdenciário. As fêmeas-robô não engravidam, nem têm TPM.
Sobretudo os robôs não entram em greve. Por isso, se nosso país
não modernizar sua legislação trabalhista, como é que vai ser?
Como nossos trabalhadores irão conseguir um emprego se o robô sai
muito mais barato para o patrão?
Vocês de esquerda são contra essa reforma porque querem enganar o
povo. Lembrem-se do século XIX: foi graças ao adiamento da abolição
da escravatura que o país não quebrou sua economia e conseguiu preservar o
trabalho de sua gente. Se a abolição tivesse acontecido uns cinquenta anos
antes, os fazendeiros todos de café teriam substituídos seus
trabalhadores por tratores e ceifadeiras mecânicas. É para impedir
que nossos trabalhadores fiquem desempregados e desamparados que
precisamos mudar nossa legislação. O que está sendo proposto torna
a contratação de mão de obra humana muito vantajosa para o patrão,
que vai pensar duas vezes antes de importar um caríssimo robô para
substituí-lo. Por isso, essa reforma será uma conquista inédita da
história trabalhista de nossa nação.
Agora,
peço licença das ilustres Senadoras de nossa República, eu
gostaria que liberassem a mesa para que eu possa iniciar essa sessão
solene. O quê, as senhoras se recusam a sair? Com que direito? Isso
aqui não é a casa da mãe Joana, isso aqui não é um bordel nem a
casa de vossas senhorias. Isso aqui é o Parlamento supremo de nossa
República. Queiram se levantar, madames. Como assim, não irão se
levantar? Isso não é protesto, isso é uma avacalhação. As
senhoras se acham donas desse Parlamento? Isso aqui é a casa do
Povo. Eu quero saber se na casa de vossas senhorias, também teriam a
coragem de ocupar a mesa de vossos maridos? Na minha tribo, nas
mulheres que desobedecem seus digníssimos esposos nós sentamos a
vara.
Se nós
não votarmos a Reforma no dia de hoje, o Mercado não vai gostar.
Depois o que nós vamos dizer ao Mercado? O Mercado que tanto nos tem
apoiado e até já reduziu a inflação. O que o Mercado vai pensar
de nós, caras senhoras? Que somos irresponsáveis. Caras Senadoras,
eu peço a vossas senhorias mais responsabilidade, que deixem de lado
suas susceptibilidades femininas e por apenas 5 minutos exerçam
alguma racionalidade varonil. Se o Mercado se irritar conosco, todo o Povo vai pagar. E depois o Mercado dirá que nós
senadores não cumprimos nosso dever.
Por gentileza, desliguem os microfones da mesa. Não estou
conseguindo ouvir nosso nobre companheiro. Essas mulheres falam
demais. Desliguem os microfones! Agora sim. Caro colega Senador, que
muito prezo, qual a sua ideia? Que possamos realizar nossa votação
em outro plenário? Mas Senador, data vênia, isso seria um grande
vexame. Lá em nossa terra, nós não levamos desaforo para casa,
não. Eu vou chamar a segurança, a polícia e o exército. Eu sou um
grande admirador do sexo oposto, mas dentro do limite do tolerável.
Estou de cinto, se for necessário, tiro meu cinto agora para mostrar
quem é que manda nessa Casa.
Mas sou um homem comedido, moderado. Não irei perder a razão. Nunca
mulher nenhuma me tirou do sério. Se os guardas, os seguranças não
podem vir, quem perde é o país. Nós que fizemos tanto esforço
para consertar a nação. Vossas senhorias estão se comportando
antidemocraticamente. Foi por causa de um ser do segundo sexo, tal
como as senhoras, que o país ficou do jeito que está. Nós tivemos
toda paciência para explicar tudo direitinho, mas também precisa
haver interesse para ouvir. Mas com essa histeria toda, ninguém
consegue escutar. É o que eu sempre digo, mulher quer fofocar, mas
não consegue discutir. Vou explicar mais uma vez: se não tiver
reforma, todo patrão vai contratar um robô. Escutem o que estou
dizendo. Mais dia menos dia, os robôs, depois de roubarem todos os
empregos do país, vão também querer fazer política. Daqui a pouco
vamos ter robôs participando de eleições, e ocupando essa Casa
Sagrada da democracia. E aí como é que vai ser? Até as senhoras
mesmo não conseguiram mais se eleger.
Ah, não vão sair mesmo? Então está bom. Está encerrada a sessão
enquanto eu não conseguir sentar. Nem na ditadura nós vimos isso.
Lamentável. O país está nas trevas. Nem os robôs conseguirão
iluminá-lo. Apaguem as luzes do plenário, apaguem as luzes!
(As luzes são apagadas. Escuridão).
Guilherme Preger, guerrilheiro e engenheiro, autor de Capoeiragem (7Letras/2003) e Extrema Lírica (Oito e Meio/2014) é escritor de Literatura de Esquerda
(Conto vencedor do encontro de 11/07/2017)
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