Tigres Trísticos - André Salviano



Tigres Trísticos


primeiro tigre

A busca. Que nunca existiu, mas sempre esteve presente. Pássaros cantando, flores por todos os lados, o barulhinho gostoso do rio. Bosque de caminhos seguros. Onde passeávamos, ora juntos, ora separados. Até que numa tarde qualquer um tigre atravessou a rua. Suas listras sob nossos olhares espantados. Nos olhou de volta, poucos instantes. Nunca mais fomos os mesmos.

segundo tigre

O beijo. De repente tão plural quanto o desejo desconhecido. Lua cheia, lobos uivando. Uma ou outra estrela no céu. Caminhamos sem norte. Fingindo não ouvir aquele corvo que insistia em cantar, nunca mais, nunca mais. A noite se esvaindo, vacilantes pensamos na despedida. Até que outro tigre atravessou nosso caminho, muito mais próximo que o primeiro, e além de nos olhar rugiu. Tão alto que você assustada se jogou nos meus braços, pude te sentir mais minha. Embevecido te abracei bem forte, corações acelerados. Tua pele minha. Nenhuma frase dita. Palavras dialogando dermes. Duas bocas, uma crase. E as tardes que não ardiam, tem agora nesse verbo o infinitivo sempre aguardado.

terceiro tigre

Amanhecemos. Sem bússola, muito menos mapa. Um alento, o sol passando pela fresta do quarto sem janela. Cabana no meio do nada. Passear pela floresta não há de ser fácil. Ilusões travestidas de árvores seculares, quereres frutos fora da estação. Definitivamente, não existe nada mais definitivo que o amor. Que às vezes nos pega com suas furiosas garras, tal qual um tigre de bengala, que não cruza ruas ou caminhos, mas se apossa de nós sem que consigamos saber quem geme ou treme, ou mata e chora. Seguimos. Em lençóis que se amarrotam, promessas que jamais se perdem. Nosso tigre sai do papel e ganha vida, só não sabemos quantas. Caminhar pela selva requer cuidado. Do teu corpo a seiva que não se perde. Em mim, que te mordo tentando entender se não é sonho. E te beijo percebendo que sonhamos juntos.


Conto escrito para o encontro de 12/04/2016




André Salviano é formado em Letras pela UFRJ. Já participou de algumas antologias, prosa e poesia, mídia impressa e eletrônica, como o Prêmio UFF de Literatura 2009, categoria conto, e o e-book Não é só por 20 contos (http://www.skoob.com.br/files/ebooks/20-contos.pdf). É um dos fundadores do blogue Confraria dos Trouxas (confrariadostrouxas.com.br), onde escreve todas as terças desde 2010. Admirador da alma feminina. Torcedor do Flamengo. Sempre que pode bate ponto no Maraca. Gosta de suco de melancia e do pôr do sol no Arpoador. Não dispensa um chopinho regado a bom papo. Mora em Laranjeiras, mas vive na Lapa.

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