Mote do encontro (26/ 04/ 16)



Mote lido por André Salviano


Alice Cavalo de Pau

Chamava-se Alice da Silva Ramos e foi a Pinheiro Machado da prostituição nacional. Sua celebridade foi longe. Mulata enorme no comprimento e na largura, foi como exploradora do lenocínio que ela enriqueceu – juntou 50 contos roubados do seu quarto por um político da cidade , no dia em que morreu de gripe, em 1918.

Vulto lendário do Rio é justo que figure no Bambambã!

Alice Cavalo de Pau, inculta, era um prodígio de inteligência e maldade.

O defeito que mostrava nos dedos talvez fosse a origem de todo aquele fel que ela destilava, tirando o último trapo das suas escravas e separando os casais – como fez com o tabelião Paula Costa, a quem mostrou um retrato da sua Edméa em colóquio com um chofer.

E isto só porque a Edméa não quis mais morar na sua pensão.

O tabelião danou-se.

Alice, quando pequena, era obrigada a pedir esmolas.

E para pedir esmola com êxito, era preciso ser aleijada.

A sua mãe de criação queimou-lhe os dedos nas brasas de um fogareiro. Com oito anos e os dedos roídos, comovia.

E fazia boa féria.

Convivendo com “focas” dos jornais, médicos, advogados, funcionários públicos, policiais e magistrados, como o juiz Albuquerque de Melo, que lá ia dormir com a Paulistinha, Alice ficou sabida.

Mas não sabia ler.

Um dia houve o crime da rua da Carioca.

Ela queria saborear as narrativas do crime de Rocca e Carletto.

Aprendeu a ler e saboreou.

Alice colaborou no Rio Nu.

Dava as notas a um mulato bacharel, poeta suburbano, de nome Alexandre Sequeira e a um Carlos Barbosa Bento Serzedelo, capitão da “briosa”, que era o dono da seção.

A seção era a “Carteira de um peru”.

Era uma coluna de perfídias e chantagens daquele órgão curioso então redigido por Olavo Bilac (d. Louro), J. Brito (Bock), Arthur Azevedo (dr. Selo) e outros intelectuais da ocasião.

Para que se possa avaliar da inteligência da Alice Cavalo de Pau, líder até 1918 do lenocínio nacional, vale a pena contar uma anedota, também atribuída à sua colega Libânia.

Um dia chegou à cada de rendez-vous da rua Maranguape um homem importante da política nacional.

E perguntou à exploradora se não podia arranjar uma moçoila, de 15 a 18 anos, para aquela noite. Estava com o dinheiro.

– Posso, tenho aí uma coisa boa...

– Mas eu quero bem bonita...

– É muito bonita. Quer ver já?

E gritou para o interior da casa:

– Mariquinhas!

O pretendente interrompeu:

– Espere. Não chame já. Diga-me uma coisa: é inteligente? Eu quero dormir com uma mulher inteligente.

Alice malcriada disse:

– O sr. quer dormir com inteligência? Então não é aqui. É na rua São Clemente, 134. Vá dormir com o Rui Barbosa!


BARBOSA, Orestes. “Alice Cavalo de Pau”. In: Lapa do desterro e do desvario – Uma antologia / vários autores – organização: Isabel Lustosa. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001. 




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