Mote do encontro 16/09
Texto lido por Daniel
Russell Ribas
Meu coração de pedra -pomes
Se eu fosse a mulher
oficial de José Júnior, chegaria gritando na sala: "Este homem tem um pau,
ouviu? Tem um pau!".
É assim que eu imagino
as tias, sempre pérfidas, com suas pernas compridas e desproporcionais demais
ao resto do corpo. E, portanto, quem vai me questionar? José Júnior acha que
minha imaginação fede. "Exagerada e doentia", ele diz. Mas,
xoxotamente falando, comigo está feliz.
Quando ele está no
lugar que eu chamo de "mansão dos falidos", com a família toda reunida
em comunhão de males, mando fotos comoventes para ele. Coloco uma lingerie e
vou clicando enquanto tiro as peças com delicadeza. Começo com as alças do
sutiã, depois vou descendo, até ficar completamente nua. Sempre tiro fotos dos
meus lábios ferinos, abertos como se gemessem. Vou mandando pelo celular aos
poucos, é sempre importante demorar entre uma foto e outra, para deixá-lo
entretido no meio da refeição. Ele implora por mais fotos, ruge, promete joias
e sapatos de pele de peixe. Eu mando. Depois, para finalizar com beleza o
serviço, ligo para ele e me masturbo com força e habilidade. Daí gozo bem
rápido e alto. Nesse momento, ele é obrigado a levantar e ir lá fora, no
quintal da mansão em ruínas, me ouvir gemer.
Quando ele chega aqui na
minha casa, sentamos na minha cama de meteorito e ele logo me pede para nunca
mais fazer isso, que é vexatório e constrangedor.
Digo, revoltada:
– Como assim, vexatório
e constrangedor? Ou uma coisa ou outra.
Ele não se importa:
– Dá no mesmo.
– Como, dá no mesmo? São completamente diferentes.
– Nada disso. São sinônimos.
Levanto do sofá, inconformada:
– Não acredito em sinônimos. Nesta casa eles não são
bem-vindos. Ou vexatório ou constrangedor. Escolhe um!
Pego no pescoço do meu amante e grito baixo:
– Escolhe um deles!
Ele arregala os olhos de pânico:
– Vexatório!
Se é assim, faço de propósito, e também para
estimular a ereção e divertir o imaginário deletério das tias.
Ontem, já mais calma, pedi para ele os presentes
prometidos, muito educada. Nunca vingou. Por isso tenho uma listinha, que
penduro sempre no espelho em frente à minha cama. Quando ele me come de quatro,
pode ver suas pendências. Depois de gozar, chora e jura voltar para a mulher
original sem pecado capital.
Estou planejando outra traquinagem com José Júnior,
quero fazer com que ele sente do lado esquerdo do sofá. Já tenho um plano.
Vamos ver se funciona. Macumbas sempre funcionam, cada dia eu invento uma.
O José Júnior, com sua falta de emoção e ausência de
ímpeto para abrir a boca, faz com que todos acreditem que ele é bom. Durante
nossos atos sexuais xinga Deus o tempo todo: "Deus é um pulha, Deus é um
crápula, Deus é um menisquente". Mas se comporta como um bom religioso
praticante. Anda por aí com a cruz na mão, o terço na cintura, a cara
apatetada. Conclusão: todos acreditam na sua beatificação interpretada. Descobriu
cedo, o exímio pesquisador da vida, que o bom é aquele que cala. Numa mesa em
que todos urram as suas opiniões, lá está José Júnior, triunfando em sua apatia
e sempre levando vantagem. No fim da reunião, os convidados o elegem: o
correto. Quando eu o sacudo e jogo sua cabeça na parede, ele diz: "Não
senti nada". É tão tétrico ser Xosé. Às vezes, quer dizer, sempre acho que
ele vai desmembrar sua mulher legítima e ocultar as partes num vaso de uva, lá
na mansão dos falidos. Depois, vai vir aqui em casa, com aquele sorriso frouxo
de menino criado pelas tias. E, aí, vai começar a maldizer o Deus todo. Até ser
a minha vez de ser jogada contra a parede. Para me prevenir, toda vez que
encontro meu amante uso um capacete. Passeamos, os dois, pelas ruas. Todos
estranham o objeto redondão na minha cabeça. Mais de uma vez já disse para os
caixas de supermercado que estava treinando os patins. Ninguém acredita. Mas
ele, ó crédulo, acha normal. Acha tudo normal e bom. Menos Deus. Só eu sei
desse seu segredo terrível. Mas ainda pretendo descobrir outros. Por exemplo:
por que tem essa mania de querer ficar só com a mulher dele? Eu imagino que ela
seja frígida, que trepe apenas na horizontal, e tem os gemidos parecidos com o
som de uma buzina, e morde travesseiro. Não, mentira. Ela não geme, não goza. A
mulher dele nunca goza, não na minha imaginação. Ao contrário, ela retrai a
xoxota, dá tapas na cara, xinga e grita: "Goza logo! Goza fora!". A
mulher dele sempre quer o esperma fora. Só eu coleciono esperma dentro de mim.
Às vezes, transamos várias vezes e não me banho, pra ir juntando o esperma.
Depois eu bebo só umas gotinhas. O resto eu guardo num vidrinho de veneno que
comprei em Paris pela internet. Tudo à vista, com o dinheiro do hospital. Não
da limpeza, com o dinheiro das coisas escusas que faço lá dentro, e sempre me
pergunto: por que não o bordel? Mas essa é outra história.
FRANK, Juliana. Meu coração de pedra
-pomes. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Juliana Frank é uma experiência de peito aberto.
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