Hell, por Lolita Pillé

Hell – Lolita Pille

A gente tenta se distrair, fazer a farra, a gente procura o amor, acha que o encontrou, e depois vem a recaída. De muito alto. A gente tenta brincar com a vida para fingir que a domina. A gente anda rápido demais, andamos à beira do abismo. Cheiramos pó em demasia, beirando a overdose. Isso assusta os nossos pais, que veem seus genes de banqueiros, grandes executivos, homens de negócio, se degenerarem a esse ponto, é uma coisa inacreditável para eles. Tem uns que tentam fazer alguma coisa a respeito, outros desistem. Tem uns que nunca estão presentes, que  nunca abrem a boca, mas que assinam o cheque no final do mês. E são detestados pela gente por tanto e por tão pouco. Darem tanto para que a gente se foda por aí e tão pouco daquilo que realmente importa. De forma que a gente acaba sem saber justamente o que importa. Os limites se perdem. A gente é uma espécie de elétron sem núcleo. Temos um cartão de crédito no lugar do cérebro, um aspirador no lugar do nariz, e nada no lugar do coração, vamos às boates muito mais do que às aulas, temos mais moradias do que amigos de verdade e duzentos números de telefone nos nossos caderninhos para os quais nunca ligamos. Nós somos a jeunesse dorée. E a gente não tem o direito de se queixar, porque aparentemente temos de tudo para sermos felizes. E a gente morre lentamente nos nossos apartamentos grandes demais, com sancas no lugar do céu, fartos, entupidos de cocaína e antidepressivos e um sorriso nos lábios...

(Mote lido por Igor Dias para o primeiro encontro de 2021)

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