Amiga,,por Guilherme Preger

Amiga, 
     sabe o Guido, aquele meu amigão que conhece tudo de física quântica, de matemática e até de literatura? Pois é, acho que ele não está sabendo lidar bem com o isolamento, pois me mandou umas mensagens estranhas. Disse que conheceu uma menina, que enviou umas fotos para ela, mas ela teria “sumido”. Aí ele resolve me mandar também as mesmas fotos para ver o que eu achava, se eu via algum problema maior nelas. Nem me perguntou se eu realmente queria receber as fotos. Era ele de cueca, tudo bem que era tipo boxer, mas mesmo adorando o Guido, não quero ver ele de cueca. É claro que eu amo ele demais, mas somos amigos, ele me ajudou muito no meu TCC, e já nos conhecemos há o quê? Mais de dez anos. Nunca transamos, não existe isso. Eu tive os meus casos, ele teve os dele. Eu sei que todos deram errado, pois ele é bem enrolado. Eu estou achando que ele quer algo comigo, pois está falando de a gente se encontrar, sair um pouco à noite, beber umas cervejas, no meio dessa pandemia. Essa história da menina das fotos é invenção dele. Ele fez a foto foi para me impressionar, e tentar alguma coisa. Amiga, eu não estou saindo com homem algum, vou sair com o Guido? Não dá, né? Eu fico pasma de ele me propor isso. Eu sei que ele é superlegal, que é bacana, inteligente, simpático e que seria incapaz de uma violência ou de uma agressão. Ele não se arranja com ninguém porque vive com os livros dele, pensando em fórmulas matemáticas, enfim. Achei um despropósito ele vir para cima de mim, me enviar os nudes que ele envia para as quengas dele. Eu sei que ele sai com prostituta e coisa e tal. Não dá para sair com o Guido em tempos normais, mais ainda nessa pandemia. Vou dar um gelo nele, para ver se ele entende. Mesmo ele sendo o meu melhor amigo, o cara que eu mais respeito e admiro na vida. 
     Essa pandemia não está fácil. Amiga, eu estou há nove meses no dedinho e no coelhinho. Cada um segurando a sua cruz, e a minha é esse meu coelhinho elétrico. Outro dia, resolvi entrar no Tinder. A Vanessa me disse que está fazendo camming, e que tem homem topando isso. Camming é quando você fica só no vídeo, tirando parte da roupa, mostrando o peitinho, e coisa e tal. Amiga, você sabe que meu perfil no Tinder é com aquela camisa do Lula Livre, né? É para já afastar os bozós de cara. Eu não transo com bozó nem se for o cara mais gato. Pois bem, Amiga, só me dei mal. Um carinha me deu match. Gato, moreno, malhado, mas sem excesso. Não é que o carinha me enviou de cara a foto com a pemba dele dura, com a glande de fora parecendo um shitake? De onde esses caras acham que a gente gosta de ver pemba dura? Amiga, você sabe que eu gosto da pica dura dentro de mim, roçando nos ovários, mas para olhar, eu prefiro ver ele todo molinho, tipo passarinho aninhado nos baguinhos. Aí adoro, acho bonitinho. Mas não era para o cara me mandar a foto do pau dele logo de cara, sem trocar umas ideias antes. 
     Então dei match noutro carinha. Aí rolou uma conversa e coisa e tal. Mas desconfiei. O cara falou umas coisas estranhas, tipo que estava com medo da vacina. Como medo da vacina? Não está querendo transar, foder, Amigo? É óbvio, Amiga, que não disse isso para ele. Ele me falou que já tinha pego o vírus, que tinha teste, e pronto. Mas a Vanessa já tinha me avisado que tem homem falsificando o sorológico, Amiga, acredita? Então resolvi fazer um teste com ele. Mandei um videozinho para ele, tipo baixando a calcinha, virando rapidinho e fim. É claro que minha pentelhada toda está grande, né. Aparecia tudo. Eu não estou transando, então vou ficar raspando, não é Amiga, para quê? Não é que o carinha reclamou? Fez tipo nojinho, perguntou por que eu estava me descuidando da higiene. Vê se pode, Amiga? Numa hora dessas o cara está com nojinho de pentelho? É óbvio que é bozó. Os bozós têm horror de pentelho, são pedófilos, coisa e tal, e ficam fantasiando que estão comendo virgens. Desconversei, beijinho, bye bozó. 
     Amiga, o Guido é que jamais falaria uma merda dessa, né? Ele é educado, bacana, inteligente, super de esquerda. Eu gosto dele, somos tipo irmãos, sempre apoiei os namoros dele, mesmo sabendo que ele arruma cada pistoleira. Ele me conta cada enrolação. Eu sou tipo confidente. Mas nunca tive ciúme, o que prova que somos só amigos. Eu também falo dos meus casos para ele. Ele me ouve, dá dicas, etc. Ele é até sensato nessas histórias, embora ele não consiga aplicá-las na vida dele. Mas diz umas coisas que já me fizeram pensar sobre minhas relações e minha vida sexual. Ele até entende as mulheres, lê psicanálise, coisa e tal. Mas não dá certo com ele, amizade é amizade. 
     Amiga, você podia até dar uma força com ele, né? Você não é tão amiga dele assim. O Guido é bacana, mesmo enrolado, ele faz, né? Ah, me esqueci que você não está mais transando homem. Está assim agora, né Amiga, definitivamente? Eu sei, eu sei que aquela vez foi bem gostoso, toda mulher sabe que homem não sabe chupar boceta. É claro que naquela noite eu amei, mas ok, foi ano passado e ficou nessa. Eu estava bêbada e você estava doidona de maconha. Naquela noite eu realmente achei que era perigoso você pegar um táxi naquela hora. Deixei você ficar pela noite, como de outras vezes. Então aconteceu. Foi ótimo, mas o que eu gosto mesmo é de pau durinho. De porra voando pelo quarto. Amiga, é melhor nem insistir, você é minha melhor amiga, então estou fora dessa. Foi só aquela vez, mesmo sabendo como foi maravilhoso, mas você é a minha Best Friend Forever. 
     Amiga, acho que vou ter que desconectar agora...

(Conto apresentado no encontro de 15/12/2020, baseado em Noites Brancas de Dostoievski)

Guilherme Preger é escritor carioca, amigo da Zona


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