Matadouro 5, por Kurt Vonnegut

Tudo isso aconteceu, mais ou menos. As partes da guerra, pelo menos, são bem verdadeiras. Um cara que eu conhecia realmente foi morto em Dresden por pegar uma chaleira que não lhe pertencia. Outro cara que eu conhecia realmente ameaçou contratar assassinos profissionais para matar seus inimigos pessoais depois da guerra. E assim por diante. Eu mudei todos os nomes.

Eu realmente voltei a Dresden com dinheiro da fundação Guggenheim (que Deus a tenha) em 1967. A cidade parecia com Dayton, em Ohio, mas com mais espaços abertos do que Dayton. Deve haver toneladas de farinha de ossos humanos enterradas no solo.

Voltei lá com um velho companheiro de armas, Bernard V. O'Hare. Fizemos amizade com um motorista de táxi que nos levou ao matadouro onde havíamos ficado presos durante a noite como prisioneiros de guerra. O nome dele era Gerhard Müller. Ele nos contou que foi prisioneiro dos americanos por um tempo. Nós lhe perguntamos como era viver no comunismo, e ele disse que foi terrível no começo, porque todo mundo teve de trabalhar muito duro e porque não havia casa, comida e roupa para todos. Mas as coisas estavam muito melhores agora. Ele tinha um apartamentinho agradável, e sua filha estava recebendo excelente educação. Sua mãe havia morrido incinerada na tempestade de fogo de Dresden. Coisas da vida.

No natal ele enviou a O'Hare um cartão que dizia o seguinte:

"Desejo um feliz Natal e um próspero Ano-Novo a você e a sua família e também ao seu amigo. Espero que voltemos a nos encontrar num mundo de paz e liberdade em meu táxi se o acaso quiser".

Kurt Vonnegut Jr. foi um escritor estadunidense de ascendência germânica. É autor de vários romances, ensaios e peças de teatro, entre os quais se destacam Player Piano de 1952, Cat’s Cradle de 1963, Slaughterhouse-Five de 1969, Breakfast of Champions de 1973 e Galápagos de 1985. 

Porto Alegre: L&PM, 2005. 

(mote lido por Guilherme Preger para o encontro do dia 08/10/2019). 











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