Sempre aos domingos, por Bruna Viana

Te amo sempre, aos domingos. Enquanto arrasto minha ressaca, de álcool ou de sono, para qualquer compromisso familiar em que eu deva sorrir. Te amo, no trajeto, enquanto empurro o pedal da bicicleta, cansada em parte pela minha falta de técnica e, em muito, pelas sobras emocionais de outros seis dias em que vivi. Te amo porque chove ou faz calor e sempre tenho de lidar com as consequências de me vestir de forma incompatível com clima –preciso, constantemente, de agasalho ou de filtro solar. Te amo porque almoço o que não queria, porque sinto sono durante a tarde e vontade imensa de uma rede qualquer que sustente minha alma desconfortável e, quem sabe assim, torne-me um pouco mais leve. Te amo porque o dia entardece desse jeito implacável e me obriga ao porvir de outra semana. te amo porque não sei mais o que esperar de outra semana. Te amo enquanto procrastino a bagunça do armário e descumpro a velha promessa da faxina aos domingos. Te amo porque despejo em ligações para novos ou velhos amigos essa ânsia de desatar da garganta esse nó-de-domingo. Esse dia em que se adensa o mal resolvido. Te amo porque estou inerte, falta-me ânimo e busco um filme qualquer que me antecipe da segunda feira uma nova vida. Te amo enquanto encaro a falta de paciência que o calendário desse ano teve por mim. Te amo porque tento dormir cedo, perambulo o corredor entre os quartos e escuto TVs ao longe, desassossegada de minha programação. Te amo porque meu pescoço não se encaixa no travesseiro, porque estou cansada, mas desperta, porque penso e sinto tanto e me esforço e me enfeito, leio os livros, corto e lavo meus cabelos, escuto todos aqueles forrós nordestinos, festejo e corro em calçadas e vou para tantos lugares, tantas viagens e sempre acabo assim,em qualquer lugar, de qualquer modo, dando o nome de amor para esse sentir vazio que me toma

Sempre, aos domingos.

(Mote vencedor para o encontro do dia 21/11/2017).

O mote, Sempre aos Domingos, foi extraído do texto homônimo de Bruna Viana, na página 21 do terceiro número da Madame Eva, Revista de Tautologias, disponível em https://revistamadameeva.wordpress.com/revistas/madame-eva-no3/

Bruna Cabral de Pina Viana nasceu em uma vila de pescadores no sul da Bahia. Paraíso que nao se revela o nome para que ninguem se anime em visitar. Escreveu em areia seus primeiros e melhores versos. Só o mar pode ler. Publicou seu primeiro livro aos sete anos, edição já esgotada. Caminhou pelo nordeste dos treze aos dezessete anos, tempo em que produziu dois de seus melhores contos, premiados Honra Capibarida. Escreve, atualmente, somente em guardanapos de mesas de bar. Mas sempre os atira ao mar.



Comentários

  1. Bruna sempre toca a alma da gente aos domingos, segundas ou em qquer dia da semana, basta escrever. Suas palavras espelham as emoçoes que ficam retidas e nos representam...contam nossas estorias, vivências! Parabens Bru a

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  2. "Escreveu em areia seus primeiros e melhores versos. Só o mar pode ler". Nossa, adoro esta mulher!

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