Mote do encontro (29/ 03/ 16)



Mote lido por Marco Antonio Martire


Dicionário da história social do samba




Malandragem. Uma das várias acepções da palavra "malandro" (do italiano malandrino) é a de indivíduo astuto e matreiro. Foi essa apregoada esperteza que plasmou, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, a partir da década de 1920, um dos estereótipos do negro sambista subempregado ou desempregado, situado entre a marginalidade artística e a perspectiva de integração social - malandragem também é sinônimo de vagabundagem, vadiagem, vida marginal. Atitude e rótulo, a "malandragem" romântica, glamourizada, é explícita na obra de compositores e intérpretes como Geraldo Pereira (1918-1955), Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, Jorge Veiga, Moreira da Silva, Wilson Batista (1913-1968) etc. Segundo Câmara Cascudo, a origem da figura do malandro estaria nos filhos dos escravos alforriados, os quais, rejeitando o trabalho formal, com horários rígidos e obrigações definidas, procuravam representar, finda a ordem escravista, o papel do dominador branco e perpetuar um dos axiomas daquela ordem: "Branco não trabalha, manda o preto" (Cascudo, 1965: 171). Segundo Franceschi (2010:48-49), o fator de diferença entre o malandro do Estácio, protótipo do sambista, e o de outras partes da cidade era a proximidade com a zona do mangue, então sede do meretrício organizado, onde alguns bambas tinham mulheres. A "malandragem" dos primeiros compositores do samba foi também fruto da precariedade de suas relações com o nascente mercado da música: por necessidades mais imediatas, em vez de autorizarem a utilização econômica de suas obras por meio de contratos de edição, eles em geral as vendiam. Assim, num contexto em que os poderes públicos procuravam modernizar as relações sociais no país, preferiu-se a normalidade jurídica a essa informalidade marginal, daí a prevalência dos sambistas burgueses sobre os sambistas "malandros" (Morelli, 2000: 164). No início do século XXI, a "malandragem", em termos musicais, sobrevive apenas como atitude estética e cultural (Lopes, 2011: 422). A figura do sambista "malandro" das décadas de 1920-1930, de chapéu "palheta", camisa listrada e calça branca, acabou por se tornar uma espécie de traje típico do homem carioca, como contraparte masculina do traje estilizado de baiana.


LOPES, Nei e SIMAS, Luiz Antonio. Dicionário da história social do samba. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.




Nei Lopes é compositor e intérprete de música popular, escritor e estudioso das culturas africanas, no continente de origem e na Diáspora. Entre seus livros publicados contam-se, principalmente os seguintes: “A lua triste descamba(romance, Pallas, 2012); “Dicionário da hinterlândia carioca (Pallas, 2012); “Esta árvore dourada que supomos (romance, Babel Editora, 2011); “Dicionário da Antiguidade Africana (Civilização Brasileira, 2011); “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (Selo Negro, 4ª.ed., 2011); “Oiobomé, a Epopéia de Uma Nação (romance, AGIR, 2010); “História e Cultura Africana e Afro-brasileira (Barsa-Planeta, Prêmio Jabuti, paradidático, 2009); “Mandingas da Mulata Velha na Cidade Nova (romance, Língua Geral, 2009); “Vinte contos e uns trocados (Record, 2006), “Novo Dicionário Banto do Brasil (Pallas, 2003 [2012]); “Partido-alto, samba de bamba (Pallas, 2005). Em 2001, seu “Dicionário Banto do Brasil (1ª versão, 1996) subsidiava o repertório de bantuísmos consignados no Dicionário Houaiss da língua portuguesa (Rio, Ed.Objetiva), que acolheu algumas centenas de hipóteses etimológicas levantadas por suas pesquisas e referidas no corpo da obra. No mesmo ano, participava do projeto musical “Ouro Negro”, em homenagem ao ilustre maestro Moacir Santos, escrevendo letras para cinco temas do homenageado. Em 2005, seu CD “Partido ao cubo” era eleito o melhor disco de samba no Prêmio da Musica Brasileira. Nesse mesmo ano, a carioca Pallas Editora publicava o livro “O samba do Irajá e de outros subúrbios: um estudo da obra de Nei Lopes, resultado de tese de mestrado defendida pelo antropólogo Cosme Elias na UERJ; e em 2009, a paulistana Selo Negro inaugurava a coleção Retratos do Brasil Negro, com a publicação da biografia de Nei Lopes, escrita pelo jornalista Oswaldo Faustino. No inicio de 2012, Nei gravava, para a posteridade, depoimento sobre sua trajetória no Museu da Imagem e do Som, MIS-RJ; e, em novembro recebia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro o título de doutor honoris causa. Lançou o romance “Rio Negro, 50”, sobre o Rio na década de 1950, do ponto de vista do povo negro; e, em parceria com Luiz Antonio Simas, “Dicionário da História Social do Samba”.

Luiz Antonio Simas é mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou o livro “O vidente míope”, sobre o desenhista J. Carlos e o “Rio de Janeiro da década de 1920”.  É coautor, ao lado de Alberto Mussa, do ensaio “Samba de Enredo, História e arte”, lançado pela editora Civilização Brasileira (2010). Em 2012 publicou, na coleção Cadernos de Samba, o livro Portela – tantas páginas belas, pela editora Verso Brasil. Em 2013 lançou, pela Mórula Editorial, “Pedrinhas Miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros”, reunindo 41 pequenos ensaios sobre cultura popular carioca. É ainda coautor do livro “As Titias da Folia”, sobre as escolas de samba cariocas. Lança em 2015 o “Dicionário da História Social do Samba”, em parceria com Nei Lopes, e “Prá tudo começar na quinta-feira”, em parceria com Fábio Fabato.  

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