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Mostrando postagens de janeiro, 2015

A porta que range - Daniel Russell Ribas

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A porta que range É minha última noite. Estou cansado disso tudo. Há quanto tempo faço isso? Quase nove anos? Tempo demais. Estou sentado em um semicírculo em uma livraria à espera do meu alvo. Enquanto aguardo, leio. A leitura é um hábito que aprecio em minha existência solitária. Um homem que lê é alguém que capaz de aprender muito sobre si mesmo e os outros. Além do mais, ajuda a manter a concentração, que é uma característica essencial na linha de trabalho. O problema é esta maldita porta. Toda vez que alguém entra ou sai, a porta range. Isto atrapalha minha leitura e, por consequência, me distrai do que devo fazer. Você provavelmente pergunta o que eu faço, afinal. Sou um matador de aluguel. Não um desses que você encontra em bares de estrada com um palito mastigado no canto da boca e uma pistola enfiada na calça. Nunca entendi como esses caras evitam estourar os próprios bagos, mas deixa pra lá. Desculpe por este desvio na narrativa. Alguém acabou de sair da loja e a p

Mote do encontro 10/02/15

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Texto lido por Márcio Couto      Graça infinita   Se, em virtude de caridade ou circunstância de desespero, você por acaso vier a passar algum tempo numa instituição pra recuperação de abuso de Substâncias, adquirirá todo um novo repertório de fatos exóticos. Descobrirá por exemplo que as pessoas viciadas numa Substância, e que abruptamente param de ingeri-la, muitas vezes sofrem com uma acne papular medonha durante meses enquanto os depósitos da Substância lentamente são eliminados do corpo. Os funcionários vão te informar que isso ocorre porque a pele na verdade é o maior órgão excretor do corpo. Ou que o coração dos alcoólatras – por motivos que Dr. nenhum conseguiu explicar – incha até obter o dobro do tamanho do coração humano civil, e nunca volta ao tamanho normal. Que pode pegar meio que um leve baratinho anfetamínico se consumir velozmente três refris e um pacote inteiro de Oreo de estômago vazio (mas precisa segurar sem vomitar pra dar o barato, o

Mote do encontro 27/01/15

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Texto lido por Jussara Ribeiro de Oliveira A história da aia  Volto pelo hall em penumbra e subo as escadas abafadas, pé ante pé até meu quarto. Sento na cadeira, com as luzes apagadas e meu vestido vermelho abotoado e lacrado. Só é possível pensar claramente se se está vestida. O que me faz falta é a perspectiva. A ilusão de profundidade gerada por uma moldura, pela disposição de formas de uma superfície plana. É necessário perspectiva. Sem ela existem apenas duas dimensões. Sem ela, a gente vive com o rosto colado na parede, tudo se resume a um imenso primeiro plano de detalhes, minúcias, cabelos, a dobra de um lençol, as moléculas de um rosto. Nossa própria pele é apenas um mapa, um diafragma de futilidade, riscado por pequenas estradas que não levam a lugar nenhum. Sem ela, a gente vive o momento. Que é onde eu não quero estar. Mas é onde estou, não há como fugir disso. O tempo é uma arapuca, estou presa nele. Devo me esquecer do meu nome secreto e de tudo