O homem-fruta - Daniela Ribeiro



O homem-fruta

Parte do debate feminista tem sido sobre a materialidade da linguagem, sobre se a linguagem interliga a mente e o corpo de maneira concreta. Se a linguagem está incorporada, então ela atrela o corpo a visões de poder, moralidade, política, gênero, e toda a organização social. [1]

Gwendolyn Díaz
  

Um morango. Melhor, um pêssego. A cabeça de um pênis que desliza meus lábios adentro, roçando a aspereza da minha língua. Sinto a pressão e a maciez no céu da boca, e o corpo túrgido palpita pedindo mais.
Adoro comê-lo. Ele sente prazer e demonstra. Ele arfa, geme, goza e cai de olhos abertos, as mãos no peito, surpreso.
O que pensa sobre política? Não faço ideia. Este é apenas um de meus parceiros desconhecidos. O de quarta-feira, às 19h.
Fico à espreita, esperando a minha vez. Ele se vira para mim com um sorriso malicioso nos lábios, abre minhas pernas abruptamente e mete. “Você está gostando?”
Imagino se algum dia já se perguntou como funciona um clitóris. Se já bolinou uma mulher na pressão exata, investigando-lhe toda a vulva, alternando carícias e beijos, evitando os pontos mais sensíveis. Se pesquisou seu mamilo preferido, se usou os dedos, os dentes ou a língua, e se tomou seus peitos nas mãos.
Mas, não. Não pergunta, não quer saber, não experimenta. Uma gostosura incapaz de se colocar no lugar do outro. Mais um amante para o meu harém, mais uma experiência para o meu estudo. Minha tese está quase se comprovando.
Machistas não primam pela inteligência.   



[1] DÍAZ, Gwendolyn, ed. Women and Power in Argentine Literature: Stories, Interviews and Critical Essays. Austin: University of Texas press, 2007.








Daniela Ribeiro é jornalista, trabalhou nas indústrias fonográfica e cinematográfica e atualmente é mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na UERJ. Frequenta o Clube da Leitura desde junho de 2013.

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